segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

Memória reluzente

Durante anos, aquelas copos, taças e cálices de cristal eram o xodó de minha mãe, que só os retirava da prateleira em ocasiões especiais - o que, para ela, eram almoços com convidados, o Natal, ou um jantar que ela preparava com mais carinho.

Eu era criança e me habituei a ver os cristais de mamãe nas melhores mesas, que ela punha com um cuidado que, hoje, para mim chega a ser comovente- porque essa atenção, esse prazer em oferecer o que se tem de melhor, é mais que generosidade, é amor.

Para mim, esses cristais são sinônimo de festa, de alegria, de tardes felizes, em que a gente podia correr pela casa, brincando, enquanto os adultos festejavam. E gente falando, comendo e tilintando copos taças e talheres para mim é como música, música de felicidade.



Eles me lembram a comida italiana de mamãe, acompanhada de Vivaldi, ou Tchaikovsy, e os vinhos, que naquela época, de importações fechadas, eram coisa rara. Meu pai enchia as taças de mamãe com garrafas de Spaggiari, um tinto de São Roque, cidade da sua infância - levemente frisante, que comprávamos em passeios por lá. Ou vinho verde Calamari, com suas garrafas elípticas, que ele me deixava provar, às vezes, um pouquinho.

Desde que minha mãe morreu, há oito anos, tornei-me o guardião do que restou de sua coleção, um pouco desfalcada pelos anos e alguns acidentes, em mudanças e no seu bom uso. Estão na cristaleira da sala, como relíquia desses tempos, parte de um livro de memórias não só minhas como da família, do nosso país, de uma geração que eu ainda gostaria de contar.

No sol vespertino, dentro da cristaleira de vidro, os cristais de mamãe refletem a luz, espalham essa lembrança de tempos felizes, me enchem de alegria pueril, mesmo quando estou sozinho em casa, e não me deixam estar solitário.

Às vezes eu tomo uma das taças menores e sirvo para mim mesmo um pouco de porto, para assistir o fim de tarde. Eu me sinto magicamente adulto, por poder tomar a bebida de meus pais, e ao mesmo tempo criança, por ser ainda o menino que os via ao redor da mesa, com aquelas mesmas taças nas mãos.

E espero os momentos especiais, a hora de reunir a família, como antes, tanto quanto possível: os que vieram depois, os que nunca saíram e os que estão presentes apenas no coração. #nacasadoescritorwww.nacasadoescritor.blogspot.com.



domingo, 18 de dezembro de 2016

Vive le bricolage

Meu ex-editor, Pedro Paulo Sena Madureira, primeiro a publicar romance meu, gostava de contar certa visita que fez a Milan Kundera, em sua casa, na champanhe francesa. Então na Nova Fronteira, Madureira perguntou dos livros. Kundera respondeu que o médico lhe recomendara algum hobby para melhorar a depressão. Apontou as prateleiras da cozinha, que ele mesmo tinha feito, e disse: esse agora é meu negócio, "Le bricolage"! Como o Milan Kundera, meu negócio para acalmar os nervos agora é a #bricolagem. Aqui minha mais nova obra: mesinha de canto com bolacha de araucária. Vai para o acervo aqui de casa, ao lado da cristaleira com os copos de minha mãe.

Antes de virar Kundera, já transformei o paiolzinho aqui de casa em marcenaria. Pour les écrivains... Vive le bricolage!#nacasadoescritor